Heróis

Sou corintiana, confesso. Ou era, não sei mais. Fui uma entusiasta dos estádios, inconscientemente prestigiando e contribuindo financeiramente para as corrupções obscenas dos cartolas, as balbúrdias e orgias indecentes dos jogadores e dos recorrentes episódios de violência nos estádios e arredores. Mas então o encanto acabou.
Pouco a pouco a ficha foi caindo. Olhava para a televisão e começava a imaginar como chegamos a valores tão absurdos de salários. Falamos hoje em termos de milhões. Milhões! Reais, dólares, euros. Fale a moeda e ela estará lá. Petrodólares também. E como chegamos a tal tolerância de comportamentos absurdos onde jogadores de futebol estão liberados para beber, dirigir, causar acidentes e mortes e tudo bem? Onde é um festival de modelos e atrizes, Maria Chuteiras, com infinitas paternidades alegadas.
Minha indignação se coroou com a volta do “Fenômeno” ao futebol brasileiro. O País parou... É um herói, um exemplo de vida, de perseverança, de talento, falavam. Sua volta aos campos de futebol foi quase a mesma coisa que a volta de Jesus Cristo à Terra. Seus compatriotas aplaudiam, assoviavam, incentivavam, realmente torciam por ele. Uma projeção ridícula e infantil do costumeiro imaturo mundo masculino. Indecente!
Uma pessoa pública famosa pelo casamento tosco com Dna. Cicareli, estória com travestis onde as pessoas acharam que ele estava certo em não realizar o devido pagamento, uma vez que o contratado era um homem e o que ele queria mesmo era uma PROSTITUTA! Ora, vamos todos em carreata ao PROCON. Uma “personalidade” que é bem conhecida pelas noitadas de bebedeiras, infidelidades (lembram da noiva?) e há até mesmo menção de uso de drogas (nunca comprovada, deixo claro aqui). Um verdadeiro herói, não?!!
Aí eu volto a pensar (não tentem fazer isso em casa, pois pode causar algum dano irreversível): o que dizer dos professores da rede pública? Aqueles idiotas que acordam durante quase toda sua vida às 6 da manhã, pegam dois ou mais ônibus, enfrentam (é, o termo é enfrentam) turma atrás de turma de crianças e jovens muitas vezes problemáticas ou carentes, preparam aulas, corrigem infinitas tarefas e provas, participam de congressos e reuniões na tentativa de oferecer melhores alternativas a seus alunos e, desta forma, oferecer alguma perspectiva de sobrevivência para eles, por vezes tendo que encarar a violência trazida das ruas, das casas.
Pessoas que trazem no rosto e no corpo os sinais do desgaste ao longo dos anos. Pele opaca, cabelos sem vida, olheiras profundas, problemas de coluna, varizes, hipertensão. “Acidentes de trabalho”. E tudo isso por salários pouco acima do mínimo por trinta horas de sala de aula. Trinta horas! Vocês podem imaginar o que é isso? Não são trinta horas de trabalho de escritório. São horas de sala de aula. E se aposentam já no apagar das luzes. Isso quando o Sr. Ronaldo recebeu meio milhão de dólares para dar o pontapé inicial no famoso campeonato nacional do Sri Lanka. MEIO MILHÃO DE DÓLARES! Tadinho, como sobreviver com estas migalhas.
Então, galera, não me venham tentar convencer que esse boçal é um herói, um exemplo de coisa nenhuma. Ele é simplesmente um cavalo de corrida premiado aplaudido em público que ganha fortunas. Só isso. Para mim, um herói tem que ter mais consistência e consciência.

Saco Cheio.